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romà (roteiro de composicão de cena)

Atualizado: 25 de fev. de 2019

por Thiago e Samuel - Atores


Atores entram em cena, fazendo uma partitura inspirada na tradução em libras da música “Como é grande o meu amor por vc”, enquanto toca uma sequência de áudios de pessoas de vários perfis falando sobre o amor.

Ao final, os atores colocam uma playlist de músicas diversas que remetem ao sentimento falado nos áudios. Contam histórias curtas de amor. Fazem um revezamento nas três primeiras histórias de cada um.

Enquanto um conta, imagens serão projetadas no corpo do outro. Imagens que sintetizam o amor. Imagens de casal, amigos, bichos e família, enviadas por pessoas de perfis diversos.

Quando Becker narra, imagens serão projetadas nas costas do Samuel. Na vez do Samuel narrar, as imagens serão projetadas no peito do Becker.

Na última história de cada um, os dois compartilham ao mesmo tempo, num forte jogo de escuta, onde um conta no intervalo de frase do outro. Thiago: Quando eu era pequeno eu tinha dois cachorros. Um se chamava Dolar e a outra Porcina, por conta da novela. Minha mãe gostava. Eles viviam juntos e dormiam na mesma casinha que tinha no quintal de casa. Um dia a Porcina morreu, não lembro o porquê, acho que foi velhice. O Dólar não aguentou muito tempo e depois de algumas semanas morreu também. Não sabia ser sozinho. Acho que ele morreu de amor.


Samuel: Meus avós por parte de mãe viveram mais de 50 anos. Tiveram 7 filhos: dois homens e cinco mulheres. Meu avô era fotógrafo e alguns anos antes de se aposentar ele trabalhou especificamente com fotos para ortodontia. Era funcionário da Faculdade de Odontologia de Pernambuco, a FOP. Ele se chamava José Paes de Lima. Minha avó era descendente de índios. Teve uma irmã gêmea que faleceu quando criança. Ela não tinha trabalho, se dedicava a família. Especialmente ao meu avô. O sentido da vida dela era servi-lo. Ela fazia tudo por ele. Café da manhã, almoço, jantar, roupa lavada. Apesar do machismo intrínseco e também histórico, ela fazia tudo isso com muita paixão e muito amor. Ela cuidava dele como homem, como filho, sobretudo como companheiro que ela escolheu pra vida toda. Era possível sentir o amor que ela colocava em tudo que fazia por ele e também pra todos da família. Ela era fada, mãe, avó, ela era amor. Tanto amor que nem ela sabia. Um olhar! Era amor demais naquele olhar. Naquela voz. Naquele ser. No jeito de se espantar com as notícias mais surpreendentes ou nem tão surpreendentes. Ela era Maria José Paes de Lima (Vovó Zezé). Eu to falando tudo isso pra dizer que esse amor se mostrou ainda mais potente e lindo, embora num momento de muita dor e tristeza. Eu não falei que meu avô fumava e bebia muito. Pois é...em decorrência disso, ele teve graves problemas pulmonares e veio a falecer. Vovó Zezé entrou em choque. Parou de falar. O grande sentido de sua vida havia acabado. O grande amor que era sua motivação para seguir o dia-a-dia, já não estava mais ali. Parou de falar. Sua diabetes, até então controlada, aproveitou seu momento de fragilidade e a fez definhar. Ela não quis reagir. Parece que se esforçava para logo partir ao encontro do seu amado. Apesar de toda carga melancólica dessa história eu me comovo principalmente pelo amor pulsando aqui em potência altíssima. Acho que ela morreu de amor. Thiago: Quando meu pai faleceu eu estava morando no Rio de Janeiro,aí fui para minha cidade, mas não cheguei a tempo de ir ao enterro. Fiquei uns dois meses em Rio do Sul, precisava ficar com minha família. Voltei pra minha casa no Rio meio triste,com medo de ficar longe da minha família, sem saber se deveria voltar… mas quando eu chego em casa, fui recebido por vários amigos que fizeram uma festa surpresa pra mim. Não era meu aniversário nem nada. Fiquei sem entender o que estava acontecendo, na verdade eu achava que não tinha nada pra comemorar… aí me deparei com um dos cartazes que eles haviam feito e estava escrito: Seja bem vindo a sua casa, somos a sua segunda família! Eles queriam dizer que estavam ali e que eu podia contar com eles. O nome disso é amor.


Samuel: Tomaz é um menino de 10 anos. Ele é o mais novo da família dele. Ele é sério e espoleta ao mesmo tempo. Espoleta porque quer brincar toda hora e porque é explosivo, raivoso e bravo, quando não fazem suas vontades. E é sério porque algumas vezes é introspectivo e não sabe expressar carinhosamente o quanto gosta das pessoas. Ele é sincero e não esconde quando não gosta de algo. Ele tem um tio que o visita só uma vez por ano e sempre passa poucos dias com ele. Tomaz é apaixonado pelo tio dele. Espera o ano inteiro para revê-lo e poder contar de uma só vez todas a aventuras que viveu durante os 365 dias passados. A pior hora é quando o Tio vai embora. Ele prefere não ver. Não fala nada. Não se despede. Sai de casa ou vai dormir pra não ver. No dia seguinte ele acorda e chora chora chora muito dizendo que seu Tio só virá daqui um ano. Que vai demorar muito. Ele faz isso só na frente da mãe dele. Acho que isso é amor. Thiago: Eu e minha mãe sempre fomos muito grudados. Onde ela ia, llá estava eu agarrado nas pernas dela. Aos 21 anos eu decidi morar no Rio de Janeiro. No dia que eu fui embora, lembro como se fosse hoje o olhar da minha mãe pra mim. A gente sabia que nossas vidas iria mudar muito dali pra frente. Eu teria que andar com minhas próprias pernas. Eu estava dentro do carro, bem apertado cheio de malas e ela parada no portão de casa. O carro acelerou, ela acenou me dando tchau, um sorriso meio triste, mas ela não chorou. Quando o carro virou a esquina eu me acabei de chorar dentro do carro. Nos víamos duas vezes ao ano. Quando se passou 8 anos minha mãe nem sonhava que eu pudesse voltar. Quando dei a notícia de que estava voltando pra minha terra, minha mãe e meu irmão ficaram radiantes. Cheguei em casa e vi que a parede da sala estava enfeitada com balões e um letreiro dizendo: Seja Bem-vindo Thiago. Se isso não é amor, então eu não sei o que é.

Samuel: Eu vivi quase dois anos com um gato paraplégico. Ele foi atropelado e abandonado na porta de uma clínica veterinária no Rio de Janeiro. Socorreram, mas não conseguiram conter a lesão que tirou os movimentos dele da cintura pra baixo. O nome dele era Théo. Ninguém quis ficar com ele que já estava há meses morando numa gaiola nos fundos da clínica. Estava magrelo e triste. Eu e um amigo adotamos ele. Mudei para Rio do Sul e ele veio comigo. O Théo era um gato extremamente dependente, devido suas limitações. Não conseguia correr, nem saltar mais. Com um tempo, acabou conseguindo se virar só com as duas patas da frente. Ele caminhava pela casa, arrastando as patas traseiras, ou, às vezes, na grama do quintal. Desde o primeiro dia, Théo correspondia nosso gesto com muito carinho e gratidão. Ele nos lambia que nem cachorro. Queria que estivéssemos junto com ele toda hora. E miava como que chamando mesmo. Era um misto de gratidão e sentimento de companheirismo que transbordava em cada olhar, em cada miado e em cada lambida que recebíamos dele. Ele se contorcia de alegria quando a gente colocava ele no sofá ou botava ele pra tomar banho de sol na grama. O Théo tinha uma comunicação que ultrapassava sua condição de felino. Era outra parada. Outra linguagem. Era amor.


Thiago: Eu conheci o Samuel na escola de teatro.


Samuel: Becker apareceu na minha vida como um presente inesperado.


Thiago: Éramos da mesma turma.


Samuel: Eu tinha saído de uma relação há menos de um ano e tava sem motivação nenhuma pra amar de novo. A gente fazia teatro na mesma escola, na mesma turma.


Thiago: Nem imaginava ficar com ele.


Samuel: A gente foi se aproximando muito espontaneamente. Não teve nenhuma intenção.


Thiago: Mas um dia... aconteceu.


Samuel: Ele não ficava com meninos na época. Eu fui o primeiro menino na vida dele.


Thiago: E foi avassalador.

Samuel: Ele também foi meu primeiro. Primeiro catarinense. rsrs.


Thiago: Eu fiquei com a chave do apartamento dele porque ele teve que sair muito cedo e me deixou dormindo.


Samuel: A gente teve um incêndio já no primeiro dia.


Thiago: Acordei. Fui pra minha casa e levei a chave. Passei a tarde inteira pensando em como iria olhar pra cara dele depois da noite passada.


Samuel: E virou uma fogueira acesa de paixão que durou muitos meses.


Thiago: Estava ansioso, o tempo parecia que não passava. Mas eu passei aquele dia inteiro sorrindo. Chegou a noite e eu fui devolver a chave.


Samuel: Até percebermos que não era nada passageiro.


Thiago: E ele estava sozinho num barzinho da lapa que sempre íamos.


Samuel: Uma noite a gente tava na praia e eu tive uma visão dele no futuro. Um delírio, mas muito real.


Thiago: Vi ele pela janela. E ele tava lindo...


Samuel: Ele tava em pé, na beira do mar, mijando de costas pra mim. Era penumbra.


Thiago: E o jeito que ele me olhou foi tão... tão… nem sei.


Samuel: Mas eu consegui vê-lo bem velhinho, careca e curvado naquela mesma posição. Tive dúvidas, mas também uma quase certeza de que ficaríamos juntos por muitos anos, quem sabe até o fim da vida.


Thiago: Nesse dia eu soube, que ele seria muito importante pra mim.


Samuel: Alguns anos depois, ele veio embora de volta para Rio do Sul e eu fiquei no Rio de Janeiro.


Thiago: O que eu estava sentindo era muito forte. Eu o amei desde aquele dia.


Samuel: Menos de dois anos depois eu larguei tudo lá e vim morar com ele aqui. Não tem outra explicação. Foi por amor que eu vim.


Um ator pega o violão, toca e canta “Como é grande o meu amor por vc”. O outro traduz em libras.


Durante solo de violão, um dos atores faz a seguinte pergunta:

Alguém aqui presente que ainda acredita que o nosso amor não é verdadeiro, que ele não seja possível e nem deve acontecer?

Voltam a cantar juntos o refrão da música com libras.

Fim

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